terça-feira, 16 de abril de 2013

Compreendendo Satanás



Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo. (1 Pedro 5.8-9)

Em Isaías 45.7, Deus diz: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal. Por que Deus criou Lúcifer?
Gostaria de iniciar comentando o texto. Esse é um dos textos mais mal compreendidos da Bíblia. Parte do problema é no inglês elizabetano da versão antiga da King James. A outra parte do problema está na tradução do hebraico. O hebraico tem cerca de sete palavras distintas que podem ser traduzidas pela palavra mal. Há muitos tipos diferentes de mal. Existe o mal moral. Há o que poderíamos chamar de mal metafísico – a finitude, por exemplo. Sempre que a Bíblia fala em Deus trazendo mal sobre seu povo, é o mal do ponto de vista do povo. Quando o fogo caiu sobre Sodoma e Gomorra, o povo não viu isso como uma coisa boa. Foi uma notícia ruim. Mas, em última análise, foi bom porque foi uma expressão do julgamento de Deus sobre a iniquidade deles. Foi uma punição realizada pela mão de Deus sobre o mal. Isso não quer dizer que, visitando-os com julgamento, Deus fez alguma coisa errada, ou alguma coisa moralmente má.

Além disso, o texto de Isaías está escrito numa forma poética. Ele usa o paralelismo, um padrão de poesia comum no judaísmo do Antigo Testamento. Existem tipos diferentes de paralelismo. Um exemplo ocorre na Oração Dominical, quando Jesus diz: “Não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal” Mateus 6.13. Esses dois pensamentos são paralelos e basicamente sinônimos; estão dizendo a mesma coisa, apenas com palavras diferentes. Encontramos esses paralelismos com frequência nos Salmos.

Em Isaías 45.7 temos duas afirmações próximas, que são um paralelismo antitético. O primeiro versículo diz: “Eu formo a luz e crio as trevas”. Luz e trevas são opostos, são contrastes, um é antítese do outro. Isso, é chamado de paralelismo antitético.

A afirmação seguinte tem o mesmo tipo de antítese, mas como está formulada? “Faço a paz e crio o mal”. Não parece certo, porque em nosso vocabulário, paz e mal não são antônimos. Enquanto luz e trevas são opostos, os dois seguintes não são. O que o texto está dizendo é que, da mesma forma que Deus derrama boas coisas sobre este mundo, ele também traz calamidades em seu julgamento. O texto não está falando sobre criação original. Infelizmente essa linguagem persiste nas traduções.

Agora, por que ele criou Lúcifer? Não sei. Mas Lúcifer não foi criado mau. Devemos lembrar que Lúcifer foi criado como um anjo – que posteriormente rebelou-se contra o céu.

A Bíblia diz que todo poder é dado por Deus. Como podemos explicar o poder que Satanás e homens como Hitler tiveram no passado?
Deus diz que ele é onipotente, todo poderoso em si e por si mesmo, e também que ele é a fonte de todo poder e de toda autoridade neste mundo. Portanto, o próprio diabo é subordinado e dependente de Deus para qualquer poder e autoridade que ele exerça neste mundo.

A questão que você está levantando não é diferente da pergunta que o profeta Habacuque fez enquanto permanecia em sua torre de vigia e se queixava contra Deus, porque ele estava vendo uma nação estrangeira, conhecida por sua inexprimível crueldade, atacar e matar o povo judeu –, o próprio povo de Deus. Habacuque lembrou a Deus que ele era tão puro, que não podia nem mesmo contemplar a iniquidade. Como podia Deus permitir que esse poder estrangeiro, esse poder perverso fosse usado? Basicamente Deus respondeu o seguinte: “Espere um pouco, não usei uma nação inimiga como instrumento para punir Israel, porque Israel é mais perverso do que a outra nação. Estou fazendo isso para castigar meu próprio povo que tão abundantemente o merece. Mas a outra nação também terá o seu castigo”. Eis porque devemos ser muito cuidadosos ao falar que Deus está sempre do nosso lado. Ele pode levantar qualquer país para punir outro país como um instrumento de julgamento contra nós –, porque todo poder está nas mãos dele.

Quando eu estava estudando na Europa na década de 1960, vinte anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial as livrarias de Amsterdã estavam cheias de literatura sobre isso. As memórias ainda estavam muito vívidas e doloridas para povos que sofreram muito mais do outros naquela ocasião. Lembro-me de ter lido um livro, que trazia documentos particulares de Hitler fotocopiados e impressos, intitulado Hitler, the Scourge of Europe [Hitler, o flagelo da Europa]. Uma das páginas mostrava uma inscrição antiga de diário que estava rabiscado com a letra do próprio Hitler: “Esta noite fiz uma aliança com Satanás”. Ele não estava brincando. Houve um esforço sério de Adolf Hitler para garantir a participação ou assistência do príncipe das trevas nos programas que ele estabeleceu. Obviamente, tudo isso aconteceu debaixo da soberania de Deus. Deus teve razões para permitir que aquilo acontecesse em determinada
ocasião, mas certamente ele reserva aquele momento no qual seu julgamento poderoso cairá sobre Satanás e sobre pessoas como Hitler, e o poder de Deus será finalmente demonstrado.

Satanás recebeu o poder de domínio sobre a terra até a volta de Jesus? Em caso afirmativo, por que lhe foi dada essa autoridade?
Há apenas um supremo Senhor sobre todo o mundo, e este é Deus. O Antigo Testamento nos diz que o conceito global de domínio foi compartilhado com Adão e Eva. Ao ser humano foi dado o domínio sobre a terra para ser o vice-regente de Deus, isto é, vice-rei para representar o reinado de Deus neste planeta. Na verdade, fizemos uma terrível confusão com tudo isso, e fomos mais e mais subjugados ao poder de Satanás. Esse poder de Satanás foi enfrentado não apenas com um golpe significativo, mas com um golpe fatal por Cristo em sua encarnação.

Somos ensinados, antes de tudo, que Deus o Pai dá a Jesus toda autoridade no céu e na terra. Em sua ascensão, Cristo está assentado à mão direita de Deus onde ele é coroado Rei dos reis e Senhor dos senhores. Esse foi um golpe tremendo sobre todos os poderes mundanos ou satânicos, principados e iniquidade espiritual nos lugares altos. Portanto, se você me pergunta quem está no domínio deste mundo agora, creio que o Novo Testamento é perfeitamente claro sobre isso. Aquele que está com o domínio é o Senhor. O Senhor Deus onipotente reina e Cristo o Senhor reina sobre este mundo agora. Seu reino pode não ser deste mundo, mas certamente inclui este mundo, e Jesus tem toda autoridade sobre o céu e a terra.

Neste exato momento, enquanto você lê este livro, a autoridade e o poder de Satanás são limitados e subordinados à autoridade que é investida em Cristo. Exatamente agora Cristo é o Rei desta terra. Seu reino é invisível e nem todos o reconhecem. As pessoas estão se submetendo mais e prestando maior obediência ao príncipe das trevas do que ao Príncipe da Paz, mas esse é um ato de usurpação de Satanás. Seu poder é restrito, limitado e temporal. Resumidamente, o que aconteceu foi o seguinte: o poder e a autoridade de Satanás sofreram um golpe fatal de Cristo. A cruz, a encarnação, a ressurreição e a ascensão enfraqueceram tremendamente qualquer poder ou autoridade que Satanás gozasse, mas não o aniquilou. Isso virá depois, quando Cristo completar sua obra de redenção com a consumação de seu reino. Todas as coisas serão trazidas em cativeiro a ele, e todo joelho se dobrará diante dele, inclusive os anjos caídos que se curvarão em submissão à sua autoridade.

À luz da soberania de Deus, qual deveria ser a atitude ou reposta do cristão quando está sujeito aos ataques de Satanás?
Uma das dificuldades que o cristão tem é reconhecer uma investida de Satanás, quando ela acontece. Lembre-se de que Satanás é um ser angélico, é um ser espiritual e é invisível. Nem sempre é fácil discernir a presença do inimigo, embora o Novo Testamento nos advirta de que a luta na qual estamos envolvidos não é contra carne ou sangue, mas contra os principados e potestades e contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais, incluindo ataques de fontes satânicas.

Martinho Lutero sentiu ataques furiosos de Satanás em certas ocasiões de sua vida, a tal ponto que eram quase tangíveis. Pelo menos em uma ocasião ele agarrou tinteiro e o atirou do outro lado do quarto, supostamente contra Satanás. Ele não podia ver a presença de Satanás, mas tinha certeza de que estava experimentando a opressão e o ataque desenfreado do príncipe das trevas, o inimigo mortal de todos os cristãos. Um dos grandes problemas, contudo, é saber quando isso está acontecendo.

A Bíblia nos adverte que Satanás se disfarça como um anjo de luz, isto é, ele se manifesta sob os auspícios do bem. Satanás não sai por aí parecendo uma pessoa caricata, grotesca, vestido de roupa de lã vermelha, com chifres e um tridente, ao contrário, ele é muito mais sedutor e inteligente do que isso e pode aparecer, como as Escrituras nos dizem, como um anjo de luz para enganar, se possível, até os eleitos de Deus. Portanto, devemos estar atentos para as sutilezas daquele que é o príncipe das trevas e o príncipe da falsidade.

Satanás é descrito como o acusador, o mentiroso e o tentador. Nós o vemos mentindo, distorcendo a verdade, nós o vemos envolvido na tentação e acusando os santos.

Na época atual, o Espírito Santo nos convence do pecado de modo que nós o reconheçamos e nos arrependamos dele. Se estamos perturbados a respeito de algum pecado, pode ser o Espírito Santo trabalhando em nós, ou pode ser Satanás nos acusando. Como reconhecer a diferença? Basicamente sabemos que há algo doce e positivo na convicção do Espírito Santo. O objetivo do Espírito é nos trazer à razão. Ele nos torna humildes, ele nos leva a um coração contrito, mas ele não nos aniquila. Satanás tenta nos levar ao desespero. Os objetivos dele são nossa desesperança e destruição, e um dos primeiros métodos que ele usa para conseguir isso é a acusação. As Escrituras nos dizem, em 1 Pedro 5.8 que Satanás anda ao redor como um leão rugindo procurando devorar quem ele deseja. Entretanto, outra imagem que temos é a de Satanás fugindo com o rabo entre as pernas, quando as Escrituras nos dizem que, se nós resistirmos, ele fugirá de nós. Aqui precisamos da armadura de Deus, a Palavra de Deus e a aplicação dessa Palavra através do poder do Espírito, e temos a promessa de que Satanás fugirá.

O diabo pode ler a minha mente?
Não tenho certeza disso, também não tenho conhecimento extenso dos poderes de Satanás. Sei que Satanás tem mais poder do que poderíamos encontrar entre os seres humanos. Ao mesmo tempo, sei que Satanás não é divino; ele não é Deus e não tem atributos nem poderes divinos. Ele é uma criatura com as limitações que são normalmente encontradas nas criaturas. Ele é um anjo.

A Bíblia não nos dá uma lista completa dos poderes dos anjos. Eles são mais poderosos que as pessoas, mas muito menos poderosos do que Deus. Deus, claro, pode ler nossa mente. Deus é onisciente. Ele conhece seus pensamentos. Ele conhece seus pensamentos assim que você os pensa – “Ainda a palavra me não chegou à língua e tu, SENHOR, já a conheces toda” (Sl 139.4). A tendência dos cristãos é pensar que desde que Deus é um ser sobrenatural e pode ler nossa mente, Satanás, que também é um ser sobrenatural, também deve ser capaz de ler as mentes. Mas os poderes de Satanás não são iguais aos de Deus.
Uma pergunta semelhante seria: Satanás pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo? Estou inclinado a dizer que não. Duvido que durante minha vida eu tenha que me preocupar a respeito de Satanás ler a minha mente, porque provavelmente nunca o encontrarei. Ele só pode estar em um lugar de cada vez. Ele é uma criatura, e criaturas, por definição, são limitadas em tempo e espaço. Portanto, Satanás não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Ele tem assistentes menores, e pode mandar um deles para me atormentar, e para tentar você e acusá-lo, mas terá que economizar seu tempo e energia para pessoas que têm mais influência do que eu.

Satanás centralizou seus ataques em Jesus no Novo Testamento. Durante a tentação de Cristo, ele falou com ele, pois sabia o que Jesus estava pensando por causa daquilo que ele dissera. Mas além disso, não vejo nenhuma razão para crer que Satanás possa ler a sua mente ou a minha. Esse pode não ser um poder divino. Ele pode ser capaz de fazê-lo, mas não tenho nenhuma razão para crer que ele possa.

Por que Satanás é representado de forma cômica, como um homem vestido de roupa vermelha e com um tridente na mão quando na realidade ele é o inimigo de nossa alma?
Mesmo uma leitura rápida das Escrituras indica que essa visão de Satanás é estranha à Bíblia. A Bíblia de forma nenhuma apresenta Satanás em trajes cômicos, ao contrário, ela o descreve como alguém que se apresenta mascarado como um anjo de luz. Não existe nada leviano nem tolo a respeito dele. Sob o disfarce de bondade, ele simula a bondade e pode seduzir as pessoas não apenas por sua esperteza mas também por sua aparente beleza.

Penso que a última forma na qual poderíamos esperar que Satanás se apresentasse seria numa roupa vermelha, de lã, que lhe causaria coceira, com cascos enluvados e chifres, rabo e tridente. De onde surgiu essa descrição e por que temos essa imagem de Satanás com aparência tão cômica? Na Idade Média, o povo de Deus era muito preocupado com a influência de Satanás em suas vidas. Eles eram fervorosos em sua tentativa de preservar a própria alma do arqui-inimigo, que tentaria destruí-los. A igreja tratou, com grandes detalhes, de ritos e rituais de exorcismo contra espíritos malignos. Eles invocavam certos anjos, como São Miguel, para proteger as pessoas dos ataques de Satanás. Também formularam a ideia de que o ponto mais vulnerável de Satanás, o ponto que causou sua queda do céu, era o seu orgulho.

A Bíblia dá imagens diferentes de Satanás. Ela diz que ele anda como leão que ruge, procurando devorar aqueles a quem deseja. Jesus disse a Simão: “Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo” Lucas 22.31. Recebemos essa imagem de um poder esmagador de Satanás. Entretanto, a outra imagem sobre a qual as Escrituras nos falam é: “Resisti ao diabo e ele fugirá de vós” Tiago 4.7. Portanto, em minha imaginação, eu o vejo como um leão rugindo, que rosna ferozmente, mas quando se resiste a ele, ele foge com o rabo entre as pernas.

A igreja pensou que a melhor maneira de se ver livre dos ataques de Satanás era ridicularizá-lo, insultar seu orgulho. Então, formularam caricaturas ridículas para conseguir seu intento. O que aconteceu foi que a geração seguinte viu as caricaturas e os cartazes grotescos e disseram que nossos pais realmente criam que o diabo era daquele jeito. Sem dúvida, isso não era verdade – eles sabiam muito bem que o diabo não era daquele jeito –, quanto a nós, recebemos a tradição sem a explicação.

Fonte: Boa pergunta, R. C. Sproul, Editora Cultura Cristã